Wednesday, March 24, 2010

Demasiada alma

Tenho duas ótimas recomendações de livros pra fazer. Gostaria de ressaltar a passagem de um deles, "Antes de nascer o mundo", o mais recente do Mia Couto. A história é de uma familia (pai, dois filhos e empregado, mais um tio que vem esporadicamente) que se muda pra um lugar ermo onde só existem eles, o resto do mundo acabou pra eles, por imposição do pai. A mãe aparentemente morreu, em circunstancias misteriosas.

Só o menino mais velho se lembra da mae e das coisas da cidade, o menor era mto pequeno e nao tem essas lembrancas. Por isso, o mais velho eh meio rebelde, enquanto o mais novo eh apenas curioso, ingenuo e desentendido.

Depois de um dia que o velho dá uma surra no menino mais velho pela 1a vez por desobediência das regras do lugar e o deixa dormindo no sereno, o menino comeca a ter uns ataques febris.
Ai o narrador, o irmão mais novo, fala:
"Nosso velho pai tinha a sua explicação para os achaques: demasiada alma"

Mais de um mês atrás, quando fiz o rascunho deste post, achei linda a frase pois havia me identificado com a expressao na qual vi a raiz para a maioria de muitos de nossos problemas: demasiada alma. Havia parado no paragrafo acima o rascunho pra terminar depois.
O interessante é que agora, tendo passado tudo que passei, tenho uma outra visão sobre a frase; ainda gosto muito dela mas percebo que ela foi colocada na boca do pai, que é um personagem bem controverso. Talvez Couto queira nos dizer para não a levarmos a ferro e a fogo. Sim, demasiada alma pode ser um problema, assim como tudo em demasia eh um problema, mas nossa alma e nosso equilibrio interior nunca o são. Pelo contrário - é o que de mais lindo temos.

Mas voltando ao mérito do livro, eu acho que esse é o melhor do Mia Couto até agora porque é o primeiro, na minha opinião, em que ele conseguiu extrapolar a influência do contexto e da história Moçambicana/africana e chegar num terreno realmente universal. Os outros livros dele também são maravilhosamente profundos mas numa outra dimensão, mais "objetificáveis", apesar de todo seu realismo fantástico à la Garcia Marquez.

Para fazer um paralelo, acho que é exatamente essa dimensão que falta na maior parte da produção do cinema brasileiro. Nego fica muito preocupado em ficar só mostrando histórias "tipicamente brasileiras" (quando os filmes não são transplantes da Globo, claro) mas não consegue atingir esse próximo nível mais alto da experiência humana. Generally speaking, of course. Por ex, pq não temos um ótimo filme brasileiro de suspense, de terror, de ação, de genuína comédia ou de tragédias desproporcionais, todos temas comuns a qualquer um no planeta? Acho que temos filmes maravilhosos mas a maioria ainda fica muito preso à objetividade do contexto brasileiro.

Enfim, outra dica também em português mas não de um brasileiro: "Caim", o último do Saramago.
Fantástico, cheio de sarcasmo e até umas sutilezas bem politicamente incorretas! Rs Pra
mim, o Saramago se redimiu do enfadonho antecessor, "A viagem do elefante" [insira expressão de desprezo]. Ele é fininho e vc lê rápido, e apesar disso tem sacadas ótimas contidas ali, sempre com humor bem aguçado envernizando assuntos profundos.

E vocês, alguma dica pra mim?

1 comment:

Rogério Ferro said...

Ótima dica. Parece q vc escreveu pra mim: uma virada, uma renovação, é td e a única coisa q poderia me fazer ler Mia de novo. Quem sabe, quem sabe..!

Já saramago ainda tem bastante crédito, pode errar pra c... q, comigo, inda tem crédito. E como tem!

Bjs,
R